quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

A Realidade

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A realidade é sempre muito mais complexa, que as imagens que nos fazem criticar apenas o mau funcionamento da estrutura pública.

O estado crítico em que se encontra a sociedade brasileira é fruto de um conjunto de desmandos que foram se enraizando através de décadas e décadas de desserviço público, especialmente na área da educação e, depois, na permissividade que passou propositadamente a fazer parte do quadro da politicagem instituída.

Durante duas décadas investi tempo (quase todo) e dinheiro na estruturação, na manutenção e na atualização de conteúdo de alguns sítios na internet, com a finalidade de chamar a atenção do conjunto social para o que vinha ocorrendo, mas os frutos desse plantio não encontraram mercado consumidor, pois a verdade parece não interessar à maioria, especialmente em razão da deseducação implantada com eficácia e do individualismo que também parece crescer de forma desordenada.

Houve uma mutação de valores dentro de um processo muito rápido, “bem” estruturado e que levou a maioria da sociedade a valorizar abertamente o “ter” em total detrimento do “Ser”.

Deixamos a percepção da realidade imutável da vida – o espaço entre o encarne e o desencarne – para irracionalmente passarmos a acumular bens materiais que serão deixados para trás no momento do retorno inevitável. Esse acúmulo, que foge à racionalidade, seria menos pernicioso se, ao promovermos tal processo, não estivéssemos deixando a descoberto as muitas carências que afligem o nosso semelhante e são caminho certo para o desequilíbrio social e para a insegurança que finalmente tira o nosso sono e a nossa paz interior.

Feitos esses prolegômenos, gostaríamos que o leitor nos acompanhasse durante a explanação do objetivo original, que é a análise de muitos dos pequenos problemas que se acumulam no dia-a-dia, por conta da inação do poder público e da ação predatória levada a efeito pela maioria do conjunto.

Fazendo parte de um grupo (organização independente) que tenta mostrar as falhas estruturais na sociedade local, tenho sido estimulado a continuar evidenciando os pontos onde são urgentes as correções, pois elas nos parecem mais fáceis do que realmente são e, para exemplificar citarei alguns exemplos observados no dia de ontem. Apenas no dia de ontem, em duas saídas de casa.

Depois de acionada a Ouvidoria Municipal, na tentativa de solução do problema de “impedimento ao trânsito de pedestres” em muitas das calçadas da cidade, percebe-se que a questão vai muito mais além, tanto na competência – que também é do Estado – quanto na responsabilidade pela ocorrência, pois envolve os comerciantes - que lucram com o abuso e com seu silêncio cômodo – e especialmente os usuários desses locais, pois demonstram não terem qualquer noção de respeito ao semelhante e muito menos ao que é de uso público (alguns “orientadores” educacionais colaboram).

Com esse assunto ainda fervilhando no cérebro, fui até a feira da Rua Cunha Moreira. Na volta, ao iniciar a travessia da Avenida Senador Feijó (com o bonequinho extraterreno em evidência), um táxi cruzou a faixa de pedestres, fazendo de conta que o pequeno marciano não existia. Anotei a placa e prossegui. Na Avenida Washington Luiz fiquei aguardando uma chance de atravessar na faixa de pedestres, mas o fluxo era contínuo e a tal “Faixa Viva” é a hora da morte. Por fim o fluxo parou, por impossibilidade de prosseguirem, mas a faixa ficou impedida por um automóvel atravessado sobre ela. Decido esquecer o motorista da infração anterior, pois não se tem lógica ficar tentando fazer chover no molhado.

Depois do almoço assisto a uma excelente palestra sobre os temas importantes da vida e que culmina com exemplos sobre a prática do perdão.

Acompanho uma das participantes até uma agência bancária próxima, pois ela tem alguma dificuldade de locomoção. Seguimos pela Avenida Conselheiro Nébias e, ao chegarmos no cruzamento com a Avenida Francisco Glicério, notamos que um idoso, conduzindo um triciclo motorizado, iniciou a travessia quando o “marciano” estava ausente. São apenas exemplos; poucos dentre inúmeros e cada vez mais constantes.

Logo depois, já do outro lado da avenida transversal, aguardávamos sinal verde para a travessia da Avenida Conselheiro Nébias, em direção da agência bancária que fica ao lado de uma farmácia de esquina.

Dentro da programação que privilegia as máquinas, em detrimento dos pedestres, o sinal fechou para os veículos que transitam pela avenida principal, mas abriu imediatamente para os que vêm pela transversal e também fazem conversão à direita em direção da praia.

Quando o sinal verde se abre para a travessia do pedestre, ele chega ao canteiro central e apenas inicia a travessia da outra faixa, quando o semáforo é aberto novamente para o trânsito de veículos e o casal de pedestres (ambos já passados dos setenta) fica tolhido entre duas faixas de veículos em movimento. Sensível ao problema, um motociclista parou o seu veículo e com ele todos os que o seguiam, permitindo que o casal de idosos pudesse concluir a travessia.

Conclui-se:

Será que vale a pena tentar mostrar o que é tão evidente?

Carlos Gama.
12/12/2019 13:34:33

Um comentário:

prof.claudiomagalhaes@gmail.com disse...

Outro precioso artigo que merece nossa séria leitura e reflexão. Parabéns